porta quebrada

Esta página não tem intenção de ser reconhecida pelos "outros", mas serve de alívio para o que nela tenta escrever, rabiscando sentidos e percepções. Fadada ao caos do tempo alienado dos compromissos, aqui a mão e o cérebro se faz silêncio e palavra que perfura até o chão da rotina, ou seja, aquilo que deveria ser e não é mais. Por isso, neste espaço não existe porta, pois está quebrada, arrebentada pela liberdade do interesse.

sábado, 26 de setembro de 2009

Alteridade I


Hoje vivemos dentro de um mecanismo uterino-verbal, ou seja, um elo de razões faladas dentro de razões internas imaginadas. Nada pra fora, tudo pelo outro, que engendra a nossa fala e imaginação. Vivemos como garganta que tenta se engolir. No trabalho se fala do outro, da vizinha e da concorrente. Na Igreja o padre cochicha com o coroinha e a sacristã, sobre a massa de fiéis e principalmente dos infiéis. É o vício mais em voga que parece ser da natureza, aprori. Fala-se do outro, fala-se das putas, das brigas dos casais, da menina retardada, do garoto garanhão, da mulher chata, do homem mentiroso. Adora-se categorias, como fantasia de escola de samba, quanto mais colorida e exótica, mais atiça e envolve a existência da passarela. Cola-se em todos outdoors de comentários, que se transforma em realidade maior do que a carne e pele do individuo falado. Num mundo de anatomia e psicologias, não se descobri a fórmula pequena, mas monstruosa do falar esquizofrênico do cotidiano. O que equaciona na vontade do ser humano de viver para fatos e coisas tão estreitas e óbvias de suas hipóteses? No cinema se procura um inimigo. Na rotina a diarista constrói um mostro de sua patroa e vice-versa. Assim a epidemia da fofoca e dos comentários sobrenaturais, literalmente, vai se fazendo. Falar de coisas é o modo como as pessoas tentam se perder para não se acharem nas coisas mais imprescindíveis. Tudo o que é essencial dói pra razão. Ninguém quer pensar nas dores de estomago de crianças da áfrica, nem dó na garganta da menina estrupada, muito menos do rico empobrecido por sentido: um suicida. Pensar na vida pra além da verborragia imaginária dos submundos e universos de nossa rotina funcional é fazer-se na alteridade saudável. Somos mais que a soma de mediocridades de imagens soltas e roubadas das coisas e de fatos alucinógenos para a percepção. Porque falar do namorado da secretária, enquanto aprova-se uma lei que mata milhões hoje e amanhã. Política, fome, miséria, corrupção, dinheiro em excesso, saúde em falta, elefante de circo velho, palhaço sem graça, maratona de pivete, caos no funk, cirurgia no cérebro. Deveríamos nos fazer a cada dia, minuto e segundo, como um ato de meditação budista, ou de encarnação espírita, na alteridade e não na fala rasa, grudenta, habituosa e libidinosa da mediocridade que rasteja no impulso mais primitiva, que visualiza o outro e as coisas, mas sem o odor e substância real e caótica própria de uma vida e realidade. Somos alteridade, sem isto vagamos no mundo das idéias de um conto parido pela língua. Nada mais e nem menos. A saliva é o sêmen da ignorância.