porta quebrada

Esta página não tem intenção de ser reconhecida pelos "outros", mas serve de alívio para o que nela tenta escrever, rabiscando sentidos e percepções. Fadada ao caos do tempo alienado dos compromissos, aqui a mão e o cérebro se faz silêncio e palavra que perfura até o chão da rotina, ou seja, aquilo que deveria ser e não é mais. Por isso, neste espaço não existe porta, pois está quebrada, arrebentada pela liberdade do interesse.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010


Desde quando somos consumidores do acúmulo?

Cidadela

Se eu pudesse mosaicaria uma cidade para mim. Roubaria pedaços de Olinda, que seria a base de toda a cena que quero, suas ladeiras, em planícies, músicas vomitadas dos becos e o lado do mar verde escaldante, que desfila magicamente atrás da igreja de São Bento. Prenderia o clima ameno e oportuno de Itaipava e buscaria a simpatia dos lojistas/barraqueiros da feirinha da madrugada. A comida poderia ser a do bairro onde nasci, cheiro de simplicidade e ponderado tempero e bem catarina. Queria também os espetáculos de Curitiba e os artesãos de Tatuí. Os idosos nesta terra seriam Suassuna, Luis Gonzaga, Fernando Pessoa, Paulo Autran e Cora Coralina a coordenadora deste movimento de sabedoria e educação. No único sindicato eu chamaria Eduardo Suplicy como o grande porta voz e demandador. Como vigário, sem igreja, Leonardo Boff que todo dia visitaria uma mesa, até se embebedar de cumplicidades e degustações. Na prefeitura nada mais que Lula, não existiria vereadores e secretários e nem portas na prefeitura. As reuniões aconteceriam às claras na praça da cidade no fim de tarde dos sábados, depois do trabalho e do futebol. Nos coretos e bancos chico buarque contracenando em rodas com os Demônios da Garoa. Nas casas redes postas e mesas na calçada, na parte plana uma lavoura cuidada por homens e mulheres que querem emagrecer e/ou tem prazer em arar, um ofício de cuidado e de contemplação.

Lógica interna


A força de uma gente não está no que ela pode conquistar, mas no que ela consegue mobilizar enquanto história e prazer. Os grandes homens são aqueles que nos apontam sabores entrelaçados com as mais ingênuas e putrefatas vontades. Chamai o surdo da esquina para a roda dos corações de samba, embalai os meninos sem berço para o afago da mulher viúva. Construí leitos de amores e de estrupos esperados. Queremos fé na ladeira no dia do carnaval e não choro de defunto que não se amava.

Quero vida onde há desmaio do sedutivo e amante desespero, quero feto na morte do cachorro da madame. Borboleta esvoaçante no cérebro do prefeito bandido e jogado as traças de sua enigmática consciência. Quem foi que disse que precisamos ser éticos? O mundo é feito de corrupção, mas quero uma corda para enforcar esta mentira, que me devora feito rato de deserto numa noite úmida de fome e de peste. Até quando terei dedo para enganar minha mente e massagear meu ego de sentimentos possíveis e degustáveis. No silêncio destas teclas e fora da janela, que agora me esquenta, há um rastro de mistério e verdade, que ouso fugir de meu cansado e vagabundo estandarte do pensamento. Quero a feia escondida atrás de um medo e rejeição, a bela colocarei na estante para no entardecer admirar o que não foi e será. Nas mãos de nossas vidas temos duas verdades: o despero e a fuga, ou o que muitos cientistas ilusionistas diziam, realidade e alienação. Quero a chuva no meu corpo nu, abrir os pés para o chão em noite de sereno, doar o que tenho, vender-me aos que precisam, e mastigar o que me foi negado. O cântico do pássaro é mais fino que gravata de maestro no municipal dourado, por um brilho que dá náusea. Quero arroto de bêbado soletrando letras e solfejos tão internos que causa estranhamento. Quem beijou o andarilho em meio ao sol de verão numa rodovia entre tantas? Eu me vou perdido em músicas de auto-falantes saltitando silabas e lógicas. Sei que um dia terei matéria colhida dos vagões dos metrôs e das camas de mulheres tão vendidas quanto a bala da banca suja do japonês, que também vende yakissoba de madrugada na boca suada e morna do metrô. Salve aquilo que o povo se engasga e morre. Quanta coisa entra nos olhos, garganta, estômago? Somos hoje enxurrados e asfixiados de poderes de outros que melindrando entre a arte da política e do patologismo inexplicável do ter, nos tiram a única liberdade: viver. iver, sinonimos de espontanea crueza de respirar, cagar e dormir. Faço o que quero e preciso.