porta quebrada

Esta página não tem intenção de ser reconhecida pelos "outros", mas serve de alívio para o que nela tenta escrever, rabiscando sentidos e percepções. Fadada ao caos do tempo alienado dos compromissos, aqui a mão e o cérebro se faz silêncio e palavra que perfura até o chão da rotina, ou seja, aquilo que deveria ser e não é mais. Por isso, neste espaço não existe porta, pois está quebrada, arrebentada pela liberdade do interesse.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Saudosa infância


Achei um momento para acariciar lembranças de seus lábios
Exilei-me no trabalho louco do compromisso sem rumo
Hoje, ontem e amanhã sou mais outros que eu mesmo

Na infância tenho a memória de campos e chuvas
O lambuzar dos pés na lama de um morro em terra e capim
O cheiro do rio marrom com pedras esverdeadas, saudade gelada

A menina da adolescência era magra, feia, mas esbelta e única
Na praça esperam meus amigos descabelados e suados pelo coro da bola
Hoje metade já morreram, mas cabem na certeza de um passado presente

Meus dedos sujos de laranja e poeira, inventavam brinquedos e armas
A lombriga armazena pedaços de desejos, leite e macarrão em frango
O forno quente de minha mãe e o fogão de lenha de minha vó convida

Amanhecer com frio nos pés e curiosidade no peito sempre em férias
Os olhos melados pela noite em sono de pedra, sem voz e idéia
Se fizesse um castelo já seria um contentamento por ele mesmo

A rua como porta de uma casa, sem noite e medo, apenas extensão do criar
Casas abandonadas garimpavam romances nem vividos de potenciais amantes
Altas árvores da praça e dos vizinhos eram a ponte da superação e reconhecimento

A dor de um machucado era motivo de cuidado e zelo
Na mesa do café um bocado de remédios em guloseimas
Na geladeira sobras de fartura e de abundante carinho armazenado

Doce imagem, nesta seca de palavras e de gente falando
busco o ermo de meus pés e os neuroneos de minha infância
As tintas estão guardadas e meu violino vendi para um bazar

Deste lado vejo e cheiro a vida em mortes tantas, que nem conto
No céu mergulha gotas de chuva, prestes a derramarem-se em choro
Aqui nesta sala vejo o que fui, sou, serei e deixarei de ser

Os olhos captam muito, mas a razão atrapalha a verdade tão simples e imediata
Hoje o tudo que representa para mim é o nada equacionado emanentemente pela vida
A infância é o início de um morrer misterioso e criador, que pari-nos a cada instante desapercebido