Exilei-me no trabalho louco do compromisso sem rumo
Hoje, ontem e amanhã sou mais outros que eu mesmo
Na infância tenho a memória de campos e chuvas
O lambuzar dos pés na lama de um morro em terra e capim
O cheiro do rio marrom com pedras esverdeadas, saudade gelada
A menina da adolescência era magra, feia, mas esbelta e única
Na praça esperam meus amigos descabelados e suados pelo coro da bola
Hoje metade já morreram, mas cabem na certeza de um passado presente
Meus dedos sujos de laranja e poeira, inventavam brinquedos e armas
A lombriga armazena pedaços de desejos, leite e macarrão em frango
O forno quente de minha mãe e o fogão de lenha de minha vó convida
Amanhecer com frio nos pés e curiosidade no peito sempre em férias
Os olhos melados pela noite em sono de pedra, sem voz e idéia
Se fizesse um castelo já seria um contentamento por ele mesmo
A rua como porta de uma casa, sem noite e medo, apenas extensão do criar
Casas abandonadas garimpavam romances nem vividos de potenciais amantes
Altas árvores da praça e dos vizinhos eram a ponte da superação e reconhecimento
A dor de um machucado era motivo de cuidado e zelo
Na mesa do café um bocado de remédios em guloseimas
Na geladeira sobras de fartura e de abundante carinho armazenado
Doce imagem, nesta seca de palavras e de gente falando
busco o ermo de meus pés e os neuroneos de minha infância
As tintas estão guardadas e meu violino vendi para um bazar
Deste lado vejo e cheiro a vida em mortes tantas, que nem conto
No céu mergulha gotas de chuva, prestes a derramarem-se em choro
Aqui nesta sala vejo o que fui, sou, serei e deixarei de ser
Os olhos captam muito, mas a razão atrapalha a verdade tão simples e imediata
Hoje o tudo que representa para mim é o nada equacionado emanentemente pela vida
A infância é o início de um morrer misterioso e criador, que pari-nos a cada instante desapercebido