porta quebrada

Esta página não tem intenção de ser reconhecida pelos "outros", mas serve de alívio para o que nela tenta escrever, rabiscando sentidos e percepções. Fadada ao caos do tempo alienado dos compromissos, aqui a mão e o cérebro se faz silêncio e palavra que perfura até o chão da rotina, ou seja, aquilo que deveria ser e não é mais. Por isso, neste espaço não existe porta, pois está quebrada, arrebentada pela liberdade do interesse.

domingo, 13 de setembro de 2009

Uma questão de fé!

"Enquanto os homens tiverem de morrer, uma parte deles não poderá suportar esta idéia e criará subterfúgios. Não se assassina um subterfúgio, não se pode matá-lo. Ele é quem nos mata: Deus mata tudo o que resiste a ele. Em primeiro lugar a Razão, a Inteligência, o Espírito Crítico. O resto vem por reação em cadeia..."
Michel Onfray.

Sustentabilidade

"A Idade da Pedra não acabou por falta de pedra."
(Zylbersztajn)

contrapondo

Para contrapor com o que foi escrito antes...
De Carlos Drumond de Andrade:

Amar

Que pode uma criatura senão,
senão entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Romance





Será que alguém disse o que seria o amor?

E se isto valeu, e foi feito como alimento?

Palavra é palavra

Nada entre o dito e o silêncio,

Ambos condenados ao inútil



Tristão e Isolda,

Sofrearam na imaginação
Minha vó se fez na real

Entre a panela e o travesseiro

Idiotice é escrever

Sem ter na mão a faca do sustento



A história oferece a certeza

Entre castelos e favelas

Castigos e promoções

Piedade e crueldade

Saudade e divórcio



Aqui nesta cidade

Vejo carro e menina indo no salão

Unhas e cabelos

Livros e romances

Na prateleira da mente o tédio

Serei capaz ainda de construir uma história

Que desse lágrima ou temor?



O absurdo da vida se esconde

Na fatia da maça vespertina

E no mercado onde vendem o leite

No leito do parto

Uma mãe sonha com colégios e praças

Sobra-lhe a dor no peito



As cascas que são deveres

Trafegam no homem como navalha

E pedaços da morte

Ruas perdidas com entes moribundos

Em prédios antigos, vizinhas sem nome

Irmãs sem amores

Dedos sem destino



Quem me disse que amar é ter vida

Mais um som sem verdade

O que fazer com a trama da minha janela

Tenho medo de enlouquecer e rasgar meu contrato

Não somos nada, além do reflexo deste urbanismo

Decadência do que foi minha infância

E o que será da minha identidade

INEXSITÊNCIA

Somos anônimos de nosso próprio caos

Vagamos entre a consciência e o ter

Porém, nos fazemos no vácuo do abismo do nada

Sem pó, sem verdade

Apenas com os olhos no limite e vaidade



O livro está molhado no banheiro

Misturado com urina e roupa suja

Esqueci de algo?

Ou aprendi com o não-dito?

Melancolia ou razão?

Talvez a primeira seja um mal entendido da segunda



Busco hoje o equilíbrio do desequilíbrio

A morte da vida

O coração das minhas mãos

Dexei de lado como doença

Aquilo que me trouxeram e me fizeram crer

Moro no quarto de minha ignorância,

Mas sem portas, janelas e paredes

Aberto como vela em alto mar

Ou satélite no vácuo universo

Procuro sair de mim mesmo

Sair de minha história

E mergulhar naquilo que nos escapa



Quanta abobrinha

Vejo daqui botecos e igrejas,

Outros entre o sono e comer

E eu mais um vez doido por mim mesmo



As vezes não sabemos onde roubar

Ou o que ensinar

Pois isto é invenção de meus passados

a nossa prisão e condenação

é a consciência coletiva



Sociedade é a soma de contradições e crenças

É um universo de imaginações e devaneios

Até suas conquistas são fantasmagóricas

Começou a chover

E vejo em prece

O mundo sendo lavado

PINACOTECA

A arte terá razão de ser por ela mesma?

Como um espermatozóide sem ejaculação?
A arte o que?
Seria o contorno evidente de uma realidade despercebida?
Ou é som e cor pela aparência?
Terá um recheio, um sentido?

O que diria Matisse?
Acabei de sair de uma exposição deste autor
Pinacoteca conserva o que há de mais valioso
Quanta coisa e gente lá
Salas forradas de obras-primas
Corpos contorcidos e quebrados
Para agredir e perceber que a vida é imperfeita

Quanto colorido e formas
Nada de tão dito, mas tudo explícito
Ares da tantos lugares França, Holanda...
Paisagens e formas diversas,
mulheres desnudas, pagas como manequins
O gosto do contorno e luz
Genialidade no toque
Toque do quê?

Acabou.
Fim de expediente
Seguranças avisam o término da aventura
Saí.
Lado de fora,
Vaguei entre o bosque e as ruas
Vi bêbados.
Miseráveis com instrumentos mal tocados

Atravessei a avenida, atrás de mim o imponente templo da arte
Castelo de mistérios e histórias
A minha frente uma porta grande com muita gente
LUZ
Uma estação diferente, mas igual a qualquer pedaço de São Paulo
Crianças com roupas coloridas e cheias de letras,
Diferentes mas todas iguais
Pais suados pelos passeios
Mulheres estressadas pelo destino num trem lento e velho
Atrás e acima turista com máquinas vislumbram o teto da construção
Marco histórico
Mais um flash de arte que está na construção
O resto dá nojo e é repugnante
Deve ser evitado, excluído, fugido

A beira dos corredores da estação a obra por excelÊncia
De uma cidade construída e arquitetada inconscientemente
mulheres altas baixas e gordas
A sujeira está na pele e não no chão
Unhas pintadas
Pernas feitas de algo que não saberia pintar
Velhas e barrigudas
Prostituas, “mulheres da vida”,
Ou mulheres de nós mesmos,
homens e mulheres,
adultos e crianças
Pedofilia?
Não somos pais daquilo que engravidamos pela insensibilidade
Estrupamos a cada nascimento de uma miséria
Pensei, caminhei e olhei nada mais
Sobrou-me o caos do desepero
O não-fazer
Na minha frente se levantava um ônibus de fronte a Pinacoteca
Quanta gente cheirosa, quantos artistas nasceram nesta merda do não-cheirar?
Não sabemos o odor da realidade
Muito menos a agonia da vida
Quando andava, um monte de mulheres afobadas,
esperavam catar alguma oportunidade
Moeda de mais valia, penetração e grana
Agride? Porquê?
Nada mais do que um gesto solto sem moral
Assim como ir até a igreja: uma crença
Pular no escuro, diria a voz rouca do pastor
Atrás uma mulher toda feia e pobre chorava
Desespero? Medo?
Não sei

Caminhei
Fui
E pensei
O que terá Matisse visto?
Quem pagará o imposto destas obras?
Envergonhei-me por gastar meus sapatos no solo daquele lugar
Longe da realidade, distante do intelecto
Mediocridade da consciência
Não há arte sem corpos e denúncia
O que sou da Luz?
Um turista e um ilusionista de minhas idéias e percepções
Quero ser artista?
Enquanto escrevo isto a tv revela mais um ator
Não considero samba sem comunidade
Nem pintor sem prostituta
Assim como cidadão sem o outro perdido em tantos cantos
Nem percorridos e nem sabidos.

gentificar


"Gosto de ser gente, porque inacabado, sei que sou um ser condicionado mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele. Esta é a diferença entre o ser condicionado e o ser determinado.[...] Gosto de ser gente porque, como tal, percebo afinal que a construção de minha presença no mundo, que não se faz no isolamento, isenta da influência das forças sociais, que não se compreende fora da tensão entre o que herdo geneticamente e o que herdo social, cultural e historicamente, tem muito a ver comigo mesmo".

(Paulo Freire)