porta quebrada

Esta página não tem intenção de ser reconhecida pelos "outros", mas serve de alívio para o que nela tenta escrever, rabiscando sentidos e percepções. Fadada ao caos do tempo alienado dos compromissos, aqui a mão e o cérebro se faz silêncio e palavra que perfura até o chão da rotina, ou seja, aquilo que deveria ser e não é mais. Por isso, neste espaço não existe porta, pois está quebrada, arrebentada pela liberdade do interesse.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Lírica urbana

Aprendi a olhar não mais para o que as paisagens verdes me diziam. Busco agora o concreto esfumaçado e pichado da cidade. Quantas coisas estão entulhadas nos cantos dos becos. Isto não é reflexão sociológica, mas sim existencial. Somos feitos das ruas que pisamos e das agendas impostas pela mecânica urbana. Cada vez mais observo o barulho das madrugadas e o sussurro dos loucos que embebedam as fachadas das lojas e urinam nos quatro cantos das esquinas. O que diremos de nosso futuro? A morte tem algum impacto frente a tudo isto? Ou já morremos de nós mesmos? A lida de um vigia, não é mais séria que a fadiga de um matador no sertão do nordeste. A mesma perna que baila no chão de um nortista é o que inventa o ritmo na Lapa renovada. Quanta gente e quanta coisa inventaram para abrigar nossa mente de mentiras tantas, que desfocam um objetivo para encarnar outros, que estão escondidos à sete chaves nas gavetas do inconciente, para nós grupo de gente que vive para trabalhar, do mundo empresarial. Toca o sino da escola, ou será da cadeia pública? Hoje não se disitngue o que é ensino e o que é repressão, punição. As fachadas das casas são as mesas fachadas de antigos escritórios de contabilidade, sem criatividade, subjetividade e pouco espaço. Não há vestígio de campos improvisados, ou ruas como extensão de um parque de diversão imaginária, mas real, rotineira. Na cidade parece que não há mais crianças, transformou-se em um mundo institucionalizado, como uma prisão, hospício ou uma repartição pública. Não há espaço para a individualidade ou a invenção, pois tudo esta catalogado ou vendido. A cidade é um solo privado, por milhares de seres e grupos, que se intitulam "líderes de negócios" ou assalariados, todos vacinados pela mesmice crassa do existir pelo existir, ou melhor, do produzir-consumir-produzir. Quando este ciclo, movimento, processo falece é por que não há vida, aniquilamente social, morte moral e obviamente morte clínica, deixou-de-existir. Não há hospital ou medicina para isto. A exclusão e a marginalidade social surge deste processo. Ao passar pelo viaduto do chá, em São Paulo, sobressai de um prédio a irreverência vital de dois artistas gêmeos, que pintam na rotina o sabor de seu desejo e vontade, arrotando a todos os transeuntes frenéticos e devedores de trabalho, um momento de delírio lírico e de saúde física, psiquica, religiosa, cultural e social. Nem tudo está tão estranho e complexo de quase enlouquecer a gente, há vida nas mãos e na possibilidade de outros, que se fazem na inteligência de sua vivência imediata e criativa. O que chamamos de "saúde" aqui é a equação entre tempo, ócio, desejo, invenção e liberdade, esta é a visão de um novo capital, ou melhor, de uma nova existência neste cenário de tragédias e mortes cotidianas, por mais que não existam velórios e funerais. Decretar este estado de morte é o primeiro passo para que dos restos corpóreos do que hoje chamamos cidade (partícula do que é a sociedade)  façamos adubo para um novo estado de vida, em que o eu é a soma infindável da liberdade criadora.