porta quebrada

Esta página não tem intenção de ser reconhecida pelos "outros", mas serve de alívio para o que nela tenta escrever, rabiscando sentidos e percepções. Fadada ao caos do tempo alienado dos compromissos, aqui a mão e o cérebro se faz silêncio e palavra que perfura até o chão da rotina, ou seja, aquilo que deveria ser e não é mais. Por isso, neste espaço não existe porta, pois está quebrada, arrebentada pela liberdade do interesse.

domingo, 20 de março de 2011

você viu?


Cheguei em Yacucho, que significa “Rincão dos Mortos”, uma cidade que já ouso traduzi-la:

Do alto mais parece destroços de um antigo povoado dos incas. Casas com cor de barro, ruas mais parecem um canteiro no meio de um pasto. Não existe possibilidade para uma harmonia urbana, pois tudo é uma mistura de pó(quando o sol aparece) e barro (quando cai a chuva). A cidade está há 4 dias sem água, pois pelo excesso de chuva caiu barreiras e barragens foram destruídas. O governo não tem capacidade de gerenciar esta situação. Há vacas e ovelhas pelos lotes onde não foram construídas casas e estabelecimento casa. Cada cm dos bairros e centros é um “puxadinho”, sem possibilidade de uma calçada, pois parece que as pessoas não têm tempo de pensar e realizar detalhes, pois necessitam sobreviver, tentar ganhar o pão e acolher os filhos num teto que seja apenas quente. Aqui existe uma espécie de táxi para no máximo duas pessoas, uma baratinha com motor de moto, com dois pneus traseiros minúsculos e um pneu na dianteira, com um guidão. Enfim, isto é um pouco do que vi hoje pelo dia na cidade de Yacucho, que mais parece uma invasão do que realmente uma cidade. Contam os moradores que esta região nunca foi considerada parte do Peru. Achavam que aqui era um lugar de bandidos e selvagens. Há pouco tempo a cidade conquistou um reconhecimento enquanto cidade e enquanto gente!

A cidade carrega estas características pois as pessoas são totalmente excluídas de qualquer processo de dignidade. A cidade é reflexo das histórias e do olhar de seus moradores. A cidade é a extensão do corpo dos cidadãos.

A cidade conta com apenas 1 hospital, não existe uma outra fonte de renda a não ser comércio, serviço publico, ou bolsas governamentais (mulheres trabalhando de forma braçal em obras públicas). E o mais alarmante foi descobrir a história passada deste povo. Por 20 anos existiram na região 3 grupos de terroristas/ revolucionários: Governo (com seu exército), matavam os rebeldes “marxistas” ou qualquer tipo de líder que pudesse expressar uma possibilidade de socialismo ou coisa do gênero. Outro grupo era liderado por um dissidente do exército local, que formou um grupo forte que também matava as pessoas das comunidades com o objetivo de conter as revoltas e insatisfações do povo. E por fim um grupo de revolucionários armados que matavam e torturavam pessoas a qualquer ora do dia e em qualquer espaço. Uma verdadeira carnificina. Por isso, um povo carregado de histórias inimagináveis. Pais esfolados até morrer na frente dos filhos, filhos decapitados e tantas e tantas histórias. Cada morador tem uma história de morte e de crueldade assistida. Dizem que não tinham como enterrar os corpos pela quantidade encontrados nas ruas. Mas uma história chamou atenção, uma comunidade inteira foi dizimada com a seguinte situação. Chegou o capitão do exército e disse que o governo iria construir um grande lago para abastecimento daquele povo, que na sua maioria não falavam espanhol, mas sim, kechua (língua hoje tb oficial), a maioria das comunidades rurais só falavam este idioma, pediram então que abrissem um grande buraco. Em seguida, depois de muitas semanas de trabalho desta gente, os soldados mataram a todos, desde idosos e crianças, mais de 30 pessoas foram mortos e enterradas neste lugar. Hoje ainda existe um movimento de justiça pelos desaparecidos e mortos nesta época, expõem roupas encontradas em diversos lugares. Esta situação foi encerrada nos anos de 94 e 95. Estima-se que mais de 120 mil pessoas foram exterminadas. Este quadro de mortes e do descuido de uma cidade que não é uma cidade, mas sim um reduto de sobreviventes de algo que um dia chamaram de povo, é reflexo de governos corruptos passados e presentes. Todos os governos dos últimos anos foram e estão presos por grandes desvios de dinheiro e de bens públicos.

Ontem conheci rapidamente a parte histórica da cidade, que é resultado da falta tb de investimento publico e uma visão empreendedora, e imaginem quase todas as casas são de 1490. Existem mais de 33 igrejas neste pedaço da cidade e cada uma com sua história singular. O que mais impressiona é que os espanhóis eram mesmo inigualáveis no quisito maldade, uma das igrejas centrais a mais escura e imponente de todas, tem duas torres, ambas serviam para amarram e pendurar os hereges até morrer. Reflexo da gandiosa e estúpida inquisição espanhola. Ao passar por estas ruas e este monumento de horrol dá arrepio e um mal indescritível.


Alguém saberia me explicar sobre esta história? Quantas existem nos cantos de nossos países e regiões? Acredito que Estado é o olhar coletivo da justiça. Nestes dias durmo com o peso esmagador da impotencialidade. Acreditar numa revolução ou transformação será base para que tipo de iniciativa? Existirá um plavra capaz de mobilizar ou uma arma capaz de aniquilar esta roda de massacre e sofrimento imposto as pessoas e engendradas em nós? Quem é o ditador, o ladrão, o salvador, o responsável pelo que é e existe? Onde estará o fio que tece esta realidade?

andes do mundo
















Ontem comi numa mesa de crianças sem pai, mãe ou quem lhes cuide
Meninas e meninos com olhares baixos de tanta dor e cruéis histórias
Corpos marcados de cicatrizes, mãos fortes pela idade que registram

Ali tinha uma menina quase bicho, misturado com a meiguice da infância
Outro menino com o dorso feito agricultor e testa em sol feito operário
Não sei explicar o sentimento e a percepção que obtive naquele momento

Vontade de curar as feridas observadas e as invisíveis tocá-las feito médico
Quanta coisa acontece sem que nos depararemos em nossa rotina tão nossa
Quantos abraços esperam da gente e cuidados em idéias e ações semear

O planeta está banhado por lógicas mortais, não da natureza, mas do que fizeram dela
Somos capazes de construir casas, ruas e edifícios e nem pensamos qual a melhor escolha
Fazemos coisas desnecessárias como autômatos, enquanto isto a vida está ali em movimento perverso

A vida está parada, observando feito animal ferido em jaula sem porta
No leito dos dias crianças são esmagadas e adultos são enterrados abruptamente
A maldade é aquilo que fere e mata, nada mais, a mesma mão que planta, destrói

Donde vem a matemática das desigualdades e dos sofrimentos?
Quem inventou as doenças psicológicas e a dores inexplicáveis sem ferida?
Ou pensemos, ou não sobreviveremos aquilo que nossos vizinhos e parentes nos destinaram

Somos um povo de tantas línguas e trejeitos que soma sempre estranhamento
Contornos de culturas e de histórias e de equívocos consensos ou ditaduras
A América é diferente da Ásia, mas ambos sofrem e sobrevivem

Queria saber pintar e classificar os comportamentos e assim dizer o conto universal
Mas somos inúteis no que se compete à memória integral
Cantamos, escrevemos e gritamos, mas tudo é apenas uma palavra seca e estéril

Na montanha em pedras de uma cidade andina vejo camponês a caminhar devagar
Na rua de frente à loja, menina joga lixo na grama de um destruído jardim público
Cachorro late e vasculha os detrimentos do que foi uma refeição da festa de criança bastada