porta quebrada

Esta página não tem intenção de ser reconhecida pelos "outros", mas serve de alívio para o que nela tenta escrever, rabiscando sentidos e percepções. Fadada ao caos do tempo alienado dos compromissos, aqui a mão e o cérebro se faz silêncio e palavra que perfura até o chão da rotina, ou seja, aquilo que deveria ser e não é mais. Por isso, neste espaço não existe porta, pois está quebrada, arrebentada pela liberdade do interesse.

sábado, 17 de outubro de 2009

Morre-SE



"Guardemo-nos de dizer que a morte se opõe à vida. O que está vivo é apenas uma variedade daquilo que está morto, e uma variedade bastante rara". (Nietzche. Gaia Ciência. livro III. 109)
Duas coisas estranhas, feitas sempre em palavras e sermões na boca dos reféns de si mesmos: Amor e Morte. Duas verdades, mentidas pelo acreditar. Certa vez interroguei-me e deixei-me em questão...qual será a matemática da morte? Como pintá-la longe das certezas e códigos já descobertos e repetidos inúmeras vezes nas escolas, praças, igrejas, livros e bilhetes de suicídas? Nesta interrogação que foi emergida num cemitério sem cruz e nem velas, mergulhado no interior de um estado do sul, apenas com pedras e gramas, como um cenário inca. Vi a minha frente, celebrado por um tapete verde de grama bem cortada, uma azaléia, toda florida, cheia de cores e contornos, e ao seu pé um solene, e ao mesmo tempo anônimo, velório de pétalas defuntas. Imagem hermenêutica, uma mistura de vida e morte, ambas pintadas dentro da mesma moldura. Diversos ângulos e detalhes de um mar de olhares, registraram uma história a ser contada e, com toda modéstia, aqui publicada.  Imagem evidente: Galhos revestidos de folhas, no auge de seu verde, e flores brincando de vida num balé revestido de vento. Porém, uma segunda característica captada desta planta, como fenômeno profético, relembrando a sarsa ardente dos antigos escritos, porém, sem exagero de uma imaginação ufanista, revelava expelicitamente folhas e flores murchas, enrrugando-se na fraqueza de uma virilidade minguante. No entanto, escrever mais um detalhe se faz necessário, outras flores e folhas caíam espontaneamente, sem voz e emoção, murchas, acabadas e escuras, na terra, ventre arquétipo da solidariedade infindável da existência... Com este olhar anatômico, como criança em noite de lua-cheia, infiltrei-me na atenção e recordei-me que este processo, enxergado neste instante de pensamento e percepção, é contínuo, natural pela espontânea e livre lógica do existir. A eloquência desta planta, tantas vezes irrigada pela chuva matutina e noturna, descodificava ali uma verdade, muitas folhas e flores já brotaram, desabrocharam, murcharam e despencaram, caídas confiantemente, desapareceram no processo secreto da terra: transformaram-se na somatória e biodiversidade - infinitas relações - de um conteúdo chamado de "adubo". Tudo o que some, desaparece, de sua forma originária, torna-se em vida múltipla de outras coisas. A vida é isto um elo de relações mutáveis, um jogo de descobertas e possibilidades. A Morte é a falta de ajustar o ocular de nossas certezas e saberes. Assim, caiu-me uma reflexão sobre a vida e a morte: um ciclo de aparências e momentos, porém, ambas fazem parte do mesmo terreno, ciclo, impulso, vitalidade, tempo e aparência, mesmo que em cheiros, contornos e cores diferentes. E o amor? Isto é uma outra história.

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