porta quebrada

Esta página não tem intenção de ser reconhecida pelos "outros", mas serve de alívio para o que nela tenta escrever, rabiscando sentidos e percepções. Fadada ao caos do tempo alienado dos compromissos, aqui a mão e o cérebro se faz silêncio e palavra que perfura até o chão da rotina, ou seja, aquilo que deveria ser e não é mais. Por isso, neste espaço não existe porta, pois está quebrada, arrebentada pela liberdade do interesse.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Passou


Hoje um vento trouxe um leve contorno de pêlos dourados que mergulhavam numa pele refrescada por um maciço suor. Ombro como ponta de uma obra esculpida delicadamente por um gênio expressionista. Imagem única. Fechada num canto da mente e arrebentada nos poros do pé e da nuca. Passou com energia de férias, arrastando olhos e sentidos, saliva de delírio, com salto raso de chinelo e pomba traseira arredondada. Vestido, tecido em segredo e em marginalidade. A sensualidade reside nas beiradas longínquas da existência das gravatas e dos holofotes. O que é singular mora no cenário que não é visto e do enredo não narrado. Uma marca tatuada no tornozelo deslizando como história em quadrinhos de uma vida em bênçãos. Salve a vida, frente ao espetáculo dos lábios desta menina, donzela, coisa e atriz de algum lugar distante, mesmo que more no prédio à frente. A beleza é elemento de agarramento, corpo de penetração, cheiro de tesão, tensão de saudade. A dor do artista é capturar e lembrar o passo que se atravessou dentro de si, como cólica existencial. Nunca respirei um gigante arrepio dentro de mim, que me lançasse às palavras e pincéis devorando imagens e cores ofuscando vorazmente a ausência e o fim-limite. Queria aprisionar aquela imagem, ou bebê-la e depois uriná-la até esvaziá-la de mim, mas a beleza é o vapor e não a lenha, é a subida e não a escada, é o calafrio e não a pele, é o desejo e não o gozo.