porta quebrada

Esta página não tem intenção de ser reconhecida pelos "outros", mas serve de alívio para o que nela tenta escrever, rabiscando sentidos e percepções. Fadada ao caos do tempo alienado dos compromissos, aqui a mão e o cérebro se faz silêncio e palavra que perfura até o chão da rotina, ou seja, aquilo que deveria ser e não é mais. Por isso, neste espaço não existe porta, pois está quebrada, arrebentada pela liberdade do interesse.

domingo, 2 de outubro de 2011

O esquecimento de decisões (Primeira Provocação)



Chamo aqui para a reflexão sobre o problema das instituições totais, em especial dos serviços de acolhimento presentes no mundo inteiro, mas agora me atenho há um país que visitei e que reflete algumas realidades em tantos outros cantos e culturas.

Hoje conversei com várias crianças e jovens, em uma mesa de almoço e perguntava-lhes inicialmente: “O que gostam de fazer?” resposta abrupta, “Nada!”.

Poderia ser uma resposta imediata, sem reflexão ou um mero enfrentamento entre jovem e adulto. Mas não, era a perspectiva real daquele momento, instalado mediante a experiência vivida diariamente num espaço de acolhimento, escondido numa região de campo.

Este lugar foi construído há mais de quarenta anos. Sem acesso a outras vizinhanças e outros barulhos, realidades e outras questões diferentes deste elo institucionalizado. Pensei comigo mesmo, quem está olhando para estas crianças? Aqui estão e aqui ficarão? Quem decidirá por este crime de esquecimento? O esquecimento de decisões gera morte.

Já são 18h e ouço grito de expedições pelos campos, são as crianças a procura de uma imagem real que só encontram na ficção de uma brincadeira. Vejo outros adolescentes em baixo da arvore falando de coisas que escapam a nossa imaginação. Enquanto o tempo passa, crescem e se imaginam, e aí sim poderão pensar: “O que faço de minha vida?” E a conclusão será pesada, feia e drástica: será que não terão elementos suficientes para responder de maneira tranqüila, serena e realista esta questão? Um dia lhe tiraram a possibilidade de lidar com sua realidade de origem com a desculpa justa de “salvar a sua vida” e agora já crescido, não sabe o que é a sua vida nem presente, nem passada e nem futura. Uma imagem fictícia entre um lugar bom, uma boa comida e o intrigante enigma: um futuro sem medida certa.

Um dia lhe salvaram e algum momento lhe mataram, sem perceber. Esta é a lógica da institucionalização. Aquilo que não fortalece mata. A realidade é o ingrediente para o desenvolvimento integral e neste caso estas crianças, adolescentes e jovens estão em processo de desnutrição existencial e tendem a morrer, existencialmente falando, como moribundos sociais e sem os nutrientes contraditórios da realidade e da história. Aqui se vive uma estória e não uma história!

Grande parte delas tem família e estão aqui há mais de anos, perdidas num vale de imaginação. Foi-lhes tirado o direito da contradição relacional, ou seja, viver a pobreza ou não, o valor de pegar um ônibus, a dignidade de ir a padaria comprar pão e a alegria e frustração de coser relacionamentos de amizade num território identificado e conhecido etc. Isto aqui não existe. Mais um domingo e um dia de piquenique com o seu projeto de vida, que se resume a nomes, rostos conhecidos e uma pasta guardada nas gavetas do escritório da organização, com toda a sua história relatada por profissionais do social.

É obvio que a resposta mais preocupante foi quando perguntei: “Vocês saem daqui no domingo?” “Não! muito longe a cidade e eu não ando de ônibus, somente de caminhonete (fala do carro da organização)”. Quando quis provocar um pouco sobre esta postura e percepção e lhe trouxe a possibilidade de levá-la a uma comunidade numa região das mais pobres do entorno e perguntei sobre o que faria como se sentiria? Me perguntando se mudaria esta sua postura de ´insignificância´ e sem vontade para nada? “Pode me levar para aquela porcaria! Não me preocupo com isto e não me sentirei abalada com estas pessoas”. Mal sabia ela que estatisticamente era um destas pessoas. Porém, não percebe isto. Pois a imagem fictícia de uma organização totalitária acalenta a imagem irreal de um seguro pleno e eterno para a sua vida.

Outro dado: quando perguntados sobre a sua origem, grande parte deste grupo não sabia de que bairro vinham e alguns não tinham nem noção da sua cidade e onde ela porventura se localizava. E outros me disseram que tinham irmãos e tios sim.

Enfim, daqui á alguns anos teremos consciência do crime que ora se propaga em tantos países, lugares e rincões, no que se refere ao direito de uma criança a convivência familiar e comunitária, algo tão primário e básico, mas hoje, algo “anormal” e elitizado por manobras sem esforços do Estado e Organizacionais não-governamentais.

Temos que incutir a sensibilidade (espírito de “finesse”) e a inteligência (espírito geométrico) do direito, assumindo estes erros e reconhecer o crime cometido pela nossa incapacidade de não posicionar-se e responder de maneira mais efetiva e atualizada a estas situações ainda existentes.

Acolher ou excluir? Eis a questão! Toda exclusão gera morte, porque tudo o que existe é feito de relações tanto no âmbito fisiológico, psicológico, sociológico, antropológico e pedagógico. Somos feitos da relação entre sujeito e história e esta é desenvolvida na relação com os meios familiares, comunitários, sociais e outros. A convocação para todos os indivíduos e coletivos (estado e organizações) é esta: encerremos com o ciclo de morte das relações, promovido pela ignorância e atitude crassa, geremos vida e vida em abundância em nossas estratégias, ações e estruturas e assim disseminemos a cultura do verdadeiro cuidado social e político!

Nenhum comentário: